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histórica.  Eu  podia  estabelecer  um  continuo  entre  a  cerâmica  pré-
               histórica, lisa polida, com antiplástico rocha molda, histórica com caco
               moldo, e a cerâmica produzida por Kañrire, agora com telha moída. Há
               continuidade de formas, há continuidade de tecnologia, há continuidade
               de  tratamento  de superfície,  só  que a  Kañrire  não  pole  mais  as  suas
               superfícies até o ponto de brunidura. Brunidura eu defini como aquele
               tratamento  de  superfície  que  dá  brilho  metálico.  Ela  me  disse  que  foi
               feita pelo polimento constante com seixo super-liso, varias vezes por dia
               enquanto  a  peça  está  no  estagio  de  dureza  de  couro,  molhando  a
               superficie com os dedos e passando o seixinho. Ela disse também que
               hoje em dia não tem tempo porque precisa trabalhar muito. Realmente
               para sustentar-se no novo sistema, onde tem que comprar panelas de
               alumínio,  sal,  macarrão,  realmente  tem  que  trabalhar  muito  mais;
               Kañrire,  por  exemplo  que  é  uma  pessoa  de  90  anos  de  idade,  ainda
               estava roçando na epoca em que lá estive.
                           Para  testar  a  brunidura  no  laboratório,  fiz  umapeça  de
               cerâmica utilizando as técnicas que ela  me ensinou, só que eu fiz de
               uma forma que jamais foi feita por índios das terras baixas de America
               do sul, isso para ninguém dizer que estou falsificando peças e também
               fiz a brunidura não só por polimento, mas colocando a peça em material
               orgânico,  quando  estava  fulgurando,  quando  o  processo  de  cocção
                                                       o
               chega a aproximadamente 600 C e começa uma fase de oxidação. A
               índia  pega  a  peça  com  a  pinça  de  madeira  e  a  insere  em  material
               orgânico;  no  caso  de  Kañrire  foi  palha  de  milho,  o  que  produz  uma
               nuvem  de  carvão  molecular  que  penetra  o  pouco  que  resta  de
               porosidade na superfície da peça e depois de frio dá aquele brilho como
               de  espelho.  Esse  brilho  especular  eu  o  tinha  visto  em  cacos  pré-
               históricos, históricos e Kaingáng; vi nalguns cacos presumivelmente de
               Xoklen,  que  eu  e  professor  Ebble  coletamos  em  Ibirama.  Os  cacos
               trazidos  da  reserva  podem  ser  comparados  com  as  peças  bororo  e
               xoklén  do  Museu  de  Antropologia  da  Universidade  Federal  de  Santa
               Catarina.  Essa  cerâmica  também  e  característica  dos  Bororo,  que,
               linguisticamente  também  são  do  tronco  Macro  Ge.  Então  temos  a

               brunidura como elemento de decoração.
                           Insisto  que  dentro  do  glossário  de  decoração  de  cerâmica,
               brunidura  e  um  processo  extremamente  penoso  de  conseguir;  nos  a
               encontramos desde o interior do Rio Grande do Sul, através de Santa
               Catarina,  do  Paraná,  de  São  Paulo,  até  os  Bororo  do  Mato  Grosso.
               Gostaria de saber onde mais essa técnica de decoração se encontra.



               Ondemar F. Dias:






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